O homem dos azulejos
- Deyse Reis
- 14 de mar. de 2018
- 2 min de leitura
Quem mora em Salvador, ou quem vem a passeio, reconhece os painéis de azulejos espalhados nas pedras e nos muros da cidade como um símbolo, como uma marca intrínseca ao contexto soteropolitano. Embora a assinatura Bel Borba esteja presente em cada painel, raros são os residentes que o conhecem.

O "homem dos azulejos" de Salvador é uma figura carismática e intrigante. Praticante do "beber socialmente" e admirador de um bom charuto, Bel Borba parece ser uma caricatura de Salvador Dali ao enrolar o bigode. Despojado, sem se preocupar com o que vai vestir ou o que vai falar, demonstra uma certa malícia na voz e não deixa transparecer quem realmente é. Não consegue terminar um único pensamento, pois está sempre perdendo as ideias no meio da conversa. Vai e volta, fala e esquece e, no fim das contas, a sua fala é sintética e não se sabe exatamente o que ele quis dizer. Porém, não se pode negar o enorme carisma e simpatia.
O artista considera sua própria obra simples. Quando montou o primeiro painel na cidade - e sem autorização - não imaginava que seu trabalho teria tamanha repercussão ou aceitação. Talvez Bel tenha partido do pressuposto de que arte é a atitude do artista; talvez tenha tido apenas a vontade de fazer um trabalho em um espaço maior, sem limitações. O real motivo é incerto, mas se a ação foi não intencional, acabou dando muito certo.
A arte, para Bel, é algo que não se pode pontuar e, por isso, ele não consegue definir um conceito para a sua própria arte. O que ele realmente sabe é que não é escravo das técnicas que aprendeu na Faculdade de Belas Artes - ele as recria. E, depois do trabalho exaustivo, quando a obra está pronta, ela não mais lhe pertence, assim como um filho que ganha o mundo e trilha seu próprio caminho.
Verdadeiramente, essa saída do ostracismo para a fama é um fato engraçado para Borba. Seu interesse e dedicação se voltam apenas para o seu trabalho e não para o estrelato. Embora Bel tenha mantido a discrição em não revelar por quanto vende um quadro, afirmou apenas que pode se manter, durante o mês, sem trabalhar apenas com a venda de uma única obra. Se a vida vai "muito bem, obrigado" financeiramente falando, para que a fama?
O talento, assim como a criatividade,é fato. A mescla de inquietação e rebeldia tem uma dosagem aceitável e a sua contradição é intencional. Borba parece querer desmistificar todos os conceitos e formas, como se a vida também fosse uma de suas obras. Uma atitude um tanto quanto intrigante, mas atraente.
>> Texto escrito em 2004 por Deyse Reis para a ABAN (Agência Baiana de Notícias). A imagem foi usada para ilustrar, mas o crédito da autoria é do devido fotógrafo.
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